Saturday, May 29, 2010

os dandies africanos - Gentleman of Bacongo

Eu acho que cheguei a ver algo sobre isso no GNT Fashion quando estava no Brasil em janeiro... mas não custa nada falar a respeito. Pode ser que eu esteja completamente enganada e o que vi mesmo foi por aqui. Penso que quando o assunto é sobre dandies, nunca existe information overload - porque eu absolutamente AMO o estilo.

Se o mundo fosse perfeito em seus movimentos, meu marido certamente seria o rei dos dandies, porque não há absolutamente nada na forma como eles se vestem que eu não ache completamente lindo. Aliás, uma das coisas que me faz amar acompanhar tendências masculinas é ver para onde o tailoring caminha - não sou particularmente fã de sportswear.




Apesar de tudo isso, o livro Gentleman of Bacongo cria em mim sentimentos conflitantes. Se por um lado ele me deixa feliz em saber que ainda existem homens no mundo - apesar de raros - que prezam pela elegância, pelo estilo próprio e pelo prazer de se sentirem bem através de suas roupas, por outro ele me dá sensação de que a moda realmente pode tomar conta de nossas vidas sem que a gente sinta.

Daniele Tamagni criou o livro de fotos através de uma pesquisa feita em cima dos "sapeurs", um grupo de homens que vivem em países da região do Congo (na África Central) que se vestem em um estilo dandy. A palavra "sapeur" é derivada de SAPE, um acrônimo do nome do movimento "Société des Ambianceurs et Persons Élégants". Esse movimento foi iniciado nos anos 20-30 do século passado, quando os primeiros Congoleses privilegiados voltavam ao seu país da França com ternos e roupas refinados. O movimento foi ganhando força  nas décadas de 60 e 70, quando o cantor Papa Wemba abraçou a causa e passou a se vestir sempre assim. Mas se tornou algo real e forte na década de 80 quando Wemba, após passar períodos em Paris, voltava com um estilo cada vez mais ostentoso e "designer-oriented".




A "criação" do movimento foi uma resposta à situação extremamente trágica do antigo Zaire (e atual República Democrática do Congo), onde o ditador Mobutu reinou de 1960 a 1990. Com inúmeras guerras civis, revoltas populares, fome constante e pobreza sem fim, os sapeurs começaram a se dedicar às roupas como uma válvula de escape. Era uma forma de lidar com todos aqueles problemas, fugir um pouco daquela realidade assustadora, torturante e árida.

Ser um sapeur era também uma forma de se destacar na sociedade sem ser por armas e matança. Todos que pertencem a uma SAPE falam que "é deselegante lutar" e, por isso mesmo, eles nunca se envolvem em brigas - muito menos guerras civis e matanças. E eles são super reconhecidos por suas roupas extravagantes, especialmente porque quase todos vivem em locais onde não há água encanada, esgoto ou mesmo comida na mesa todos os dias.




As pessoas "normais" os admiram, os respeitam, seguem seus conselhos como se eles fossem pastores, padres ou algo assim. E não é pra menos, já que os próprios sapeurs falam abertamente sobre o seu "culto ao tecido" e a "moda como religião". E também a visão dos sapeurs andando pelas ruas mais pobres de Kinshasa ou Bacongo dão um certo ar de esperança a locais tão destroçados e abandonados à sua própria sorte.

As SAPEs são estruturas super organizadas e com hierarquias, e existem rivalidades entre os sapeurs de Bruxelas e os de Paris, os de Kinshasa com os de Brazzaville ou os de Bacongo com os de Mungali. Cada SAPE tem um estilo próprio e regras a serem seguidas - or exemplo, os sapeurs de Brazzaville acreditam na "lei das três cores" (eles tem que mesclar três cores somente em seus looks).




À parte do deleite visual - porque, sinceramente, não há como não concordar que esses homens são extremamente bem sucedidos no conceito de "se vestir bem" - os sapeurs são figuras que levantam muitas questões importantes que devíamos pensar mais a respeito e debater. A vida nos países da África Central é extremamente dura e desesperadora, e a forma como eles encontraram para criar não só alegria mas também ordemem suas vidas é impressionante.

Contudo, os sapeurs são pessoas que vivem extremamente aquém de seus limites, literalmente trabalhando para se vestir. Muitos deles vivem em condições de extrema pobreza mas tem armários com peças de roupa chegando a milhares de dólares. E como eles conseguem isso nem sempre é através de meios lícitos. Um sapeur não mata nem briga, mas nada diz em seus "códigos" que eles não possam burlar as leis. O próprio Papa Wemba foi preso em 2003 na França por levar imigrantes ilegais para o país disfarçados de membros de sua banda - tudo arranjado em troca de uma módica quantia de, em média, 4 mil dólares.

Viver em função da moda os ajuda a lidar com o ambiente desesperador que os cerca; mas por outro lado os coloca em um mundo de fantasia, já que suas roupas não condizem com a realidade em que vivem. 




Muitos jornalistas e pesquisadores vêem movimentos e comportamentos semelhantes ao redor do mundo. Muitos citam o mundo do hip-hop como extremamente similar ao dos sapeurs: a cultura do bling, as rivalidades entre gangues, os seguidores de Tupac e os de Biggie Smalls, as hierarquias e, principalmente, a criação de uma sub-cultura com o intuito de escapar da realidade social.

Não posso deixar de dizer das nossas sub-culturas brasileiras, como a "gangue da Louis Vuitton". Me parece extremamente similar a esses movimentos a cultura que foi criada no Brasil onde ter um bolsa Louis Vuitton te "encaixa" na sociedade. Isso foi algo criado nos anos 90 que perdura até hoje. A imensa maioria das mulheres no Brasil almeja ter uma bolsa LV, não importa a tendência nem o preço. E, no momento em que conseguem, se sentem "encaixadas", como se pertencessem a um clube.




Apesar de todas as questões sociais levantadas pelos sapeurs, eu tenho que dizer que adoro ver os estilos que eles produzem. As fotos são sempre coloridas, lindas e me deixam sempre com ótimo humor. Tenho que assumir que, mesmo acreditando que eles deveriam investir seu dinheiro em subsistência e prosperidade pessoal, entendo quando eles dizem que eles levam felicidade às pessoas ao andar nas ruas.

E outra questão - essa BEM mais mundana - sempre vem à minha cabeça quando vejo suas fotos: como é que eles sabem TANTO sobre moda? De onde vem as revistas, o conhecimento? Porque eles SABEM. Mui-to. Os caras andam com as últimas coleções de Galliano, McQueen, Yamamoto, diferenciam seu Boateng do seu Paul Smith e prezam Saville Road acima de qualquer coisa. Isso até agora não consegui saber (mas também ainda tenho que ver um documentário e ler meu livro sobre eles...).




Acho que os sapeurs ficaram mais conhecidos na mídia internacional porque Paul Smith usou as fotos de Daniele Tamagni como fonte de inspiração para sua coleção feminina de primavera/verão 2010. Smith, que tem como foco principal o vestuário masculino e se dedica especialmente ao tailoring, fez uma coleção super colorida - que é característica de sua marca - e andrógina, com terninhos e peças do vestuário masculino migrando para o feminino. Claro que também foram feitos vestidos, saias e peças mais femininas, mas o destaque mesmo ficou para as peças mais próximas das vistas nas fotos de Bacongo.





imagens da passarela de Paul Smith na coleção de primavera/verão 2010


Com isso os sapeurs foram definitivamente postos no "mapa da moda" - e em uma posição que os deve dar muito orgulho, a de trend setters.

P.S.: Link love do post - o site de Daniele Tamagni, entrevista de Paul Smith sobre sua coleção, o livro Gentleman of Bacongo, reportagens do NY Times, do Washington Post, da GQ France, da Booker Rising e do Africa Feed sobre o tema, a página do Facebook do movimento, o documentário da BBC a respeito do tema e um dos muitos vídeos no Youtube sobre os sapeurs.

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