Tuesday, August 17, 2010

um pensamento sobre consumo, Paquistão, História e auto-suficiência

Um costume que tenho é de ler sobre o negócio da moda. Moda é cheio de "coisinhas bonitinhas" e muitos "eu quero" e "eu amo", mas a máquina por detrás disso tudo às vezes me interessa mais que o resultado final dentro do meu armário. Não só isso; saber sobre o business pode parecer infinitamente mais chato que ver a nova coleção de Christian Louboutin - ou muito menos glamouroso que cobrir uma Fashion Week - mas já diz o ditado que "money makes the world go round" e o dinheiro só entra no bolso porque existe um negócio por detrás dos *must haves*.

E hoje, lendo os links matutinos que caem no meu e-mail, me deparo com a notícia de que as enchentes no Paquistão afetarão gravemente o mundo da moda. Mas hein? O mundo da moda? - você poderia se perguntar. Calma aí que a gente ainda chega lá. Antes eu tenho que dizer umas coisinhas que considero pertinentes para essa "estória".


o Paquistão


Acho que, historicamente, nós brasileiros estamos acostumados a pensar que somos "auto-suficientes". É um erro que propagamos devido a uma combinação de horríveis aulas de História e Geografia, demagogismos de "pensadores" nacionais que tem um viés esquerdista e a manutenção do fechamento da economia do país por pretexto de "proteção da indústria nacional". Me explico melhor, um motivo de cada vez:

1. Horríveis aulas de História e Geografia: levanta a mão quem não estudou a "Idade Média" no mínimo, duas vezes ao longo do primeiro e segundo graus? Eu estudei três. TRÊEEEESSSSS. A era tida como "the dark ages"... Na Idade Média a Europa andou pra trás; todo o desenvolvimento no pensamento acadêmico se restringia ao que a Igreja considerava interessante e pessoas eram queimadas em fogueiras se estivessem fazendo "bruxarias" (leia-se tentando descobrir inovações). Enquanto isso o mundo árabe contribuía para a evolução mundial com quase a totalidade da Matemática elementar que temos hoje e partes da Astronomia, Química e Medicina atual. E disso, alguém estudou? Pois é... Isso sem contar outras milhares de coisas que eu vejo por aqui e que nunca tinha ouvido falar. Nossas aulas não induzem ao pensamento crítico, nós nunca fomos treinados a questionar. Ao contrário, é sempre aula de "enfiar goela abaixo" o material que é dado. E essa é uma crítica ao sistema de ensino como um todo, até mesmo nas Universidades e cursos de Pós-Graduação;

2. Demagogismos de "pensadores" nacionais com viés esquerdista: sempre tem um palhaço na televisão dizendo que "o Brasil é auto-suficiente no que concerne matéria prima", "somos o país com as melhores condições para o desenvolvimento" ou "nosso país é uma ilha-modelo do desenvolvimento" (eu juro que ouvi isso na Globonews - triste). Acho bom as pessoas terem confiança na Economia - e no país como um todo? Claro. E hoje, visitando outros lugares, é que eu vejo como o Brasil é um dos países que tem as melhores condições para passar da linha dos "em desenvolvimento" para "desenvolvido". Mas a gente não faz isso tudo sozinho. A gente precisa dos 'desenvolvidos' para algumas coisas e a gente também precisa dos países que estão em piores condições para sobrevivermos. Infelizmente tem que ter alguém com algo que a gente precise e alguém que precise de algo da gente - é assim que a Economia roda. Então pensar que somos uma "ilha" e que podemos nos desenvolver sozinhos é estória pra boi dormir. Até a Rússia "adquiriu" mercados conquistando outros países para formar a URSS, nunca se esqueçam disso... O que me leva ao número 3;

3. A manutenção do fechamento da economia do país por pretexto de "proteção da indústria nacional": a reclamação sobre os impostos de importação das suas comprinhas na ASOS? Proteção da indústria nacional. Os preços baixos na Forever 21 ou na H&M que nunca chegam no Brasil? Proteção da indústria nacional. As Zaras ou Chanéis da vida que entram no Brasil e os preços são vinte vezes mais caros que no exterior? Proteção da indústria nacional. A dificuldade de encontrar materiais diferentes, com qualidade superior, produtos inovadores, coisas de última geração...? Proteção da indústria nacional. Essa é a desculpa usada para manter taxas de importação altíssimas. Sem elas, aparentemente, a indústria nacional colapsa. Honestamente: vocês acham mesmo que colapsa? E se colapsar, não é culpa deles mesmos que não sabem fazer as coisas direito? Você pode me dizer "mas e o emprego de todo mundo?". Posso ouvir pedras já sendo atiradas em mim, mas gente. O Collor, apesar de tuuuuudo que ele era (e é), abriu a importação de carros (além de outras coisas). A indústria nacional colapsou? Não. Ela correu atrás. E graças a isso, ninguém tem como "carro-objeto de desejo" um Santana ou uma Elba.


 área de produção de algodão no Paquistão - às margens do Indus


Mas o pior de tudo isso que falei aí em cima (e *como* falei!) é acharmos que o que acontece no Paquistão - por exemplo - não nos aflige. "Do outro lado do mundo", "coitada dessa gente", "2012 tá chegando" ou "menos terrorista no mundo" devem ser a maioria dos comentários, e isso pára por aí. Muito poucas pessoas vêem o Jornal Nacional e param pra pensar nas implicações que as notícias trazem pra nossa vida cotidiana. Acredito, na verdade, que a maioria pensa que não *a-go-en-ta-maaaaaa-isssss* ouvir o Bonner falar sobre o Paquistão. E olha que eu estou assumindo que o Jornal Nacional vem noticiando isso... porque a BBC não pára de falar a respeito e a CNN e a Fox News, ao contrário, falam cada vez menos - sendo que desde o início era uma chamadinha micra.

E olha, eu não a-go-en-to-maaaaa-issssss ouvir a BBC falar sobre isso. Porque o chamariz da maioria dos telejornais - e notícias em geral - é o drama, a tragédia. E é sim uma tragédia o que aconteceu, com milhões de pessoas desabrigadas, sem nada, com fome e doenças espalhando mais rápido que um pensamento. Mas a maioria das notícias nunca falam sobre o impacto mundial que um desastre desse tamanho pode causar. Nem mesmo os meios informativos passam além do óbvio. São raros os meios de comunicação que tem uma análise crítica além do mero "morreu gente". E apesar da comoção e empatia que sempre temos com casos de tragédia, o impacto para os brasileiros (e para o resto do mundo) das enchentes no Paquistão aparenta ser zero - quando na realidade não o é.


imagem idílica de paquistanesa colhendo algodão - acontece na vida, acontece na TNT


Pra quem não sabe o Paquistão é um dos maiores produtores de algodão do mundo, sendo só superado pela Índia, China e Estados Unidos. E as enchentes, que foram majoritariamente às margens do Rio Indus, devastaram mais ou menos 20% da produção algodoeira da província de Sindh e 5% da produção da província do Punjab. Essas são tidas como as "províncias-celeiro" do Paquistão, e os efeitos serão sentidos não somente na indústria da moda, como também na alimentícia e em outras áreas econômicas.

As considerações sobre como esse algodão é produzido e como as pessoas envolvidas na colheita e processamento desse algodão eu deixo pra depois. Não por ser menos importante, mas porque senão esse post vira um livro! Prometo que volto a esse assunto porque também é algo que me toca profundamente e muita gente no Brasil não tem a menor idéia de como é uma indústria extremamente cruel e usa algodão como uma alternativa "boa" para outros materiais. O mais importante mesmo nesse texto é que o Brasil não pode se considerar "auto-suficiente" e "imune" a qualquer catástrofe que não seja uma "crise mundial".


 quase igual à imagem idílica da Vogue!


A perda das colheitas no Paquistão influencia diretamente dois fatores: o preço do algodão (que é uma commodity e tem preço internacional estabelecido em mercado) e a diminuição na oferta do produto. O aumento do preço do algodão e a diminuição da oferta do produto são, em primeira instância, bons para o Brasil como um todo porque nós ainda somos grandes produtores de algodão. Isso nos leva a pensar que "vamos receber mais dinheiro" e "vamos vender toda nossa produção, já que a procura é grande". Mas o problema central não é o efeito imediato. Uma retração na oferta em quantidades grandes causa escassez. E essa escassez faz com que o preço dos produtos derivados do algodão suba vertiginosamente.

Juntando isso a movimentos nem tão bem pensados assim por nossos comandantes das relações exteriores - o Brasil tenta "retaliar" os Estados Unidos aumentando as alíquotas de importação de produtos norte-americanos - e nós podemos estar numa espiral para uma subida de preços nem um pouco simpática. Traduzindo esse economês todo pra uma simples frase: tudo que você compra feito de algodão provavelmente vai subir de preço. E isso pode ser bastane, se considerar a quantidade de coisas que usamos de algodão.


a Vogue te dá a solução! É só usar esfregões, luvas de limpeza e sacos de lixo!


Mas aí vem a auto-suficiência: nós não somos "o celeiro do mundo"? Não temos "vastas plantações" por aí? Pois é, temos. Mas esse ano o Brasil já não será mais auto-suficiente em algodão. Não podemos esquecer que produtores vendem para quem paga mais, e muitas vezes o mercado exterior é vencedor. E exatamente por isso a indústria nacional terá que importar algodão para suprir a crescente demanda. Além disso o mercado nacional tem crescido bem e, mesmo se não vendêssemos para o exterior, rapidamente nossa demanda superaria a oferta. E aquela nossa velha noção de auto-suficiência vai pela janela.

Uma das grandes consequências de se tornar um país "desenvolvido" é que temos que prestar atenção ao nosso redor. Um país desenvolvido não é auto-suficiente; muito pelo contrário ele depende de mercados externos para comprar seus produtos e também para vendê-los. Um país "auto-suficiente" normalmente é um país pobre. Ele não tem dinheiro para produzir e tampouco tem dinheiro para comprar. Dessa forma, dê graças a Deus que não somos auto-suficientes. Afinal, se você gosta de moda e quer viver num país desenvolvido, que tem acesso a todos os produtos internacionais e às últimas novidades com preços internacionais, o preço é a internacionalização. Com tudo de bom e tudo de ruim que ela tem a oferecer. E ah! Comece a prestar atenção nas chuvas do Paquistão.

P.S.: Fontes boas para se ler a respeito - em geral e links específicos:

- Abrapa (Associação Brasileira de produtores de algodão);
- Canal Rural (notícia);
- R7 (notícia sobre importações dos EUA);
- Brasil econômico (notícia);
- WWD (notícia - somente para assinantes).

No comments:

Post a Comment