Tuesday, April 19, 2011

Prada, Arezzo, consumo sustentável e muitos outros blábláblás

Eu JUREI que não ia falar sobre a Arezzo... Jurei. Mas sou fraca que nem café americano, tenho opiniões muito fortes, trabalhei anos em política exatamente por causa disso e não consegui me segurar. Não dá pra ficar lendo a revolta contra a Arezzo calada, sem ser *a* advogada do diabo - sim, digo *a* porque quem é que vai defender o Judas, caído e escorraçado né... - e mais uma vez levantar a CARTA CALMA.


cartinha do baralho muito útil para diversos momentos na vida - 
quem quiser mais explicações sobre a carta calma, clique aqui.


Esclareço a todos que eu não sou a favor de uso de pele verdadeira (itálico, sublinhado, negrito e gigante pra ver se todo mundo lê e não rola apedrejamento da Judas "segunda" por e-mail). Não há justificativa que me convença que pele verdadeira seja necessária quando existem substitutos perfeitos no mundo sintético. Talvez no dia em que exista uma proliferação abusiva de raposas, o petróleo esteja acabando e o mundo esteja um caos estilo Mad Max por causa disso, eu acho que eu mude de opinião. Até lá, só dou direito ao Canadá de fabricar roupas de pele pelo excesso de seus animais-"praga". E, mesmo assim, ainda fico pensando porque nego não é simpático e manda as carcaças pra África. Tenho certeza que as pessoas lá não vão dizer "opa amigo! desculpa, mas não como raposa porque é estranho".

Mas esse blá blá blá whiskas sachet todo mundo já sabe. Nem vou repetir.

E, pra quem tá por fora do *babado*: a Arezzo começou a vender uma linha de acessórios feitos com pele verdadeira de raposa e coelho. O assunto gerou comoção no Facebook, no Twitter, em blogs e na internet em geral, e a empresa resolveu voltar atrás, retirando seus produtos do mercado. O presidente da marca deu entrevista ao UOL mostrando ser mal preparado ao extremo para lidar com situações de desgaste (falo sobre isso depois).


parte da coleção Pelemania (nego nem manera no título...), a que causou o furor internético


Há algum tempo atrás escrevi sobre consumo consciente aqui no blog (e aqui e aqui também - esses sobre pele!) e, semana passada, imbuída de escrever sobre coleções de fast-fashion "conscientes", a alta dos preços do algodão e materiais sintéticos e o aumento do consumo pelos BRICS, pensei bastante sobre o uso sustentável de materiais para a moda. Pesquisei pencas, li artigos acadêmicos de montão e muitas outras matérias de jornais, revistas e veículos da mídia da moda. E devo dizer que, tudo isso reafirmou o que eu já sabia: não existe solução fácil para os nossos problemas. Somos 6 bilhões de pessoas num planeta com recursos escassos. Por mais que tenhamos todo o cuidado com tudo o que fazemos, ainda assim seremos 6 bilhões de boquinhas comendo que nem praga, fazendo cocô por aí, e sujando bastante pelo caminho. Não é pouca m***a (pun intended).

Não quero me alongar sobre o artigo que escrevi recentemente porque gostaria de fazer uma versão em português para ele - logo, contar tudo o que descobri assim, só por causa da Arezzo... é um pouco demais. Mas o fato é que os preços do algodão não param de subir. Por consequência disso os preços dos sintéticos e fibras naturais alternativas também sobem veriginosamente (e todos dependem - uns mais, outros menos - de uso intensivo de petróleo, que também não pára de subir...) e não há solução, pelo menos no curto prazo, para os compradores desses insumos a não ser repassar seus custos para os consumidores. Como já havia escrito antes, preparem seus bolsos, amiguinhos, porque vai continuar subindo tudo. E o Brasil do jeito que tá, com inflação subindo seriamente, a situação no médio prazo não se apresenta como uma das mais bonitas. Pra quem tem menos de 30 e não se lembra, pergunte pra alguém o que era viver em 1989. Desagradável não define, só dá uma mera noçãozinha...


você acha que tem alguma coisa de ecológica ou sustentável nessa imagem? isso é uma - dentre milhões - de plantações de algodão ao redor do mundo


Mas, voltando à moda e ao caso da Arezzo - que é o que interessa, pelo menos por aqui!

Devo dizer que infelizmente a maioria das pessoas que "trabalhou" no Twitter, Facebook e afins para criticar a Arezzo infelizmente está sendo utilizada como massa de manobra. Se você foi um deles, não se ofenda. Não estou criticando o seu ato - você tem todo o direito de ser contra o uso de pele animal e reclamar quando uma marca da qual você compra produtos não siga uma regra de conduta de acordo com o que você espera.

O que estou estabelecendo é que nós todos somos massa de manobra, todos os dias. Um dia para ambientalistas conseguirem algo, outro dia para que a indústria da pele consiga outro afim. As estratégias de marketing são muito fortes, mexem com nosso psicológico de uma forma que não conseguimos nem perceber e, quando nos vemos, estamos lá usando casacos de pele ou gritando pelo fim deles. Digo isso porque, até a semana passada, muitos dos blogs de moda que se dizem indignados com a Arezzo estavam vibrando com que coleção?




A da Prada. Aquela que acha legal usar estolas de raposa no-ve-rão (disclaimer: verão italiano é tão quente quanto o brasileiro, só pra deixar claro. E a Prada usou raposas pras suas estolas, não é pele fake).


Ok, pode ser que você só deseje o vestido listrado. Mas então isso quer dizer que você vai continuar comprando na Arezzo, desde que não seja o de pele? Então, qual é o problema de deixar a Arezzo vender a linha com pele, se você vai continuar comprando?

E eu continuo questionando:

- se você não vai comprar o vestido listrado da Prada que tanto deseja (seja porque só três pessoas no mundo conseguem pagar por aquilo e você não é uma delas, ou porque você é rica mas não tem Prada perto da tua casa), vai optar pelo "inspired" da Zara ou afins? Se é assim, você não continua, de uma certa forma, endossando o "artístico" e a "criação" da marca? O mesmo artístico e criador que achou legal fazer estola de pele colorida pro verão?

- aliás, falando em "inspired", você acha que o vestido da fast-fashion que você comprará é feito de materiais sustentáveis (por exemplo, algodão orgânico), com fontes de energia renováveis (como solar ou eólica) ou dá condições de trabalho justas e salários que não sejam de fome aos seus empregados? Os materiais foram comprados por fábricas que também respeitam o meio-ambiente em todas as suas formas, sem usar alvejantes ou corantes no tingimento de seus tecidos? Você não se importa que pessoas sejam exploradas para que você compre o mesmo vestido por um milésimo do seu preço original?

- falando sobre a sua vida: você consome somente produtos orgânicos, é vegan, vegetariano, frutarian, não usa carro (nem moto, nem transporte público), sua casa respeita todas as leis ecológicas, você não usa madeira nem pedras preciosas, ouro, toma banhos de menos de dois minutos, reutiliza a água do seu banho para dar descarga, recicla seu lixo, usa as cascas e dejetos orgânicos para fertilizar seu jardim?

E chegando até ao escatológico: você usa jornal ao invés de papel higiênico?

Porque papel higiênico, minha gente, usa polpa vegetal nova. Aquele macio, gostosinho, branquinho e que todo mundo quer ter em casa não vem de papel reciclado como muita gente pensa. Vem de árvores novinhas em folha, que são utilizadas única e exclusivamente para o conforto do seu bumbum. Isso depois de litros e litros de alvejantes - que são super tóxicos para o meio-ambiente e para você também.


extrato do programa Panorama, feito pela BBC e que mostra a realidade de como marcas super baratas - como a Primark - conseguem fazer seus produtos... isso porque a ótica da produção do algodão e dos tecidos nem é mencionada!


Meu ponto não é defender a Arezzo, mas sim defender o consumo consciente. 

Nós viramos uma grande massa de manobra de conglomerados industriais. Um dia queremos pele-Prada, no outro tacamos pedra na Geni-Arezzo. E continuamos nossa vida abençoados pelo lisergic bliss da ignorância, vivendo na nossa Matrix gostosinha e sem querer tomar a pílula vermelha (mais explicações nesse link aqui - recomendo, porque o discurso inteiro serve pro que estou escrevendo).

Tudo o que fazemos, desde o momento em que saímos da barriga de nossas mães e começamos a respirar, afeta o mundo em que vivemos. E, por mais que eu quisesse acreditar que poderíamos ser uma sociedade que vive integralmente em harmonia com o mundo em que vivemos, a verdade é que ainda estamos a milênios dessa realidade. Nem nossos tatatatataranetos a verão.

Mas isso não quer dizer que é soltar a franga e sair por aí fazendo o que bem entende. Cada geração contibui um pouquinho mais para a evolução moral e tecnológica da humanidade (é só parar pra pensar como as pessoas viviam em 1911 e inúmeros exemplos virão), e nós não estamos alheios a isso. Temos que nos aprimorar pessoalmente e também contribuir para o coletivo.

Boicotar a linha Pelemania ou a Arezzo como um todo é o suficiente? Se isso for um passo à frente para você, ótimo. Mas não acho que seja para mim. Eu acredito firmamente em saber sobre o impacto de quase tudo que consumo - sim, é algo que beira a loucura, compulsão louca e dá um trabalho dos infeeeeerrrrrrnoooooosssss. Isso sem contar que eu nunca vou ter 100% de certeza que o que empresas me falam é verdadeiro (e tá aí o vídeo da Primark acima pra provar).


pode ter certeza que esse algodão tá na sua casa, em algum lugar


Acredito que ter um método de consumo mais consciente é um caminho muito mais correto, e uma quantidade razoável de embasamento teórico nas discussões geram resultados muito mais positivos que extremismos e movimentos que se baseiam somente em "coitados dos coelhinhos".

Tenho dó dos coelhinhos? Claro que tenho, e quem me conhece mesmo sabe como eu sou uber max ultra mega hiper maria-mole com animais e até plantas. E acho válida uma discussão mais profunda sobre o uso de peles além de um mero "não à Arezzo". Mas acredito muito mais no questionamento diário dos NOSSOS atos, o fato de comermos carne que não é orgânica, o uso do papel higiênico e outras mil coisas que citei e que não citei. E, mais importante: me preocupa muito mais saber que se continuamos consumindo sem parar, não importando o que, estamos destruindo muito mais o meio-ambiente que uma pessoa que tem um consumo super moderado, compra somente o essencial, mas tem um casaco de pele.

Isso aqui é um mea culpa também, pois eu como carne feliz, uso couro (mesmo que beeem moderadamente), tenho um casaco de pele fake (que, por mais que seja fake, transmite a idéia de pele do mesmo jeito), já comprei na Primark, H&M, Zara e afins e, muitas vezes, não compro orgânico porque tô com preguiça de ir ao mercado orgânico, mais longe da minha casa que a cadeia de supermercados de produtos normais.

Como diz meu marido, o que importa é a derivada. Ou seja, se nós formos melhores nos nossos atos que o dia anterior, estamos num progresso com resultado final positivo. Um dia após o outro, um passo de cada vez. O percurso é tão importante quanto o fim do caminho, e é isso que eu prefiro que as pessoas discutam - não uma mera campanha de menos de uma semana pra tirar artigos da Arezzo das lojas.


P.S.: A entrevista do presidente da Arezzo só pode ser definida como *triste*. Um presidente de uma empresa quer que um consumidor (consciente, devo adicionar) acredite que ele não sabe quais foram os produtos retirados, que não sabe qual e a quantidade de pele utilizada... ou seja, ele não sabe seu prejuízo? Não lhe interessa? E mais: dizer que não vai entrar em detalhes porque não quer dar 'pano pra manga pra ambientalistas'? A partir do momento em que você vende artefatos de couro e pele, você está dando "pano pra manga", "cara pra bater", senhor Anderson Birman. Ou o senhor não sabia disso? E ah... ele se interessa por sustentabilidade, mas não acha que isso é algo que ele possa discutir em sua posição. MAS HEIN? Em que posição ele poderia discutir, a da vaca ou a do coelho?

P.S.2: Eu acho que, no momento em que se decide usar pele em sua coleção, é pra usar DE VERDADE. Own it up, meu tio. É uma decisão pensada - ou vocês acham que eles não viram que existia mercado pra isso? Tem muita gente que compra pele sim, e não tem o menor problema, tá nem aí pro coelhinho. Então, se pensou no lucro, arca também com as consequências negativas.

P.S.3: Como eu disse antes, eu tenho a minha opinião sobre a Arezzo, e não vem desse episódio. Vem desse aqui, muito menos divulgado pela internet e que acho muito mais grave: http://whocouldblameher.blogspot.com/2010/10/querida-arezzo.html. Pelo menos nesse episódio da Pelemania eles dizem que é pele de verdade - e cobram bem carinho por isso! E quando eles dizem que é pele mas não é, e continuam cobrando preço de produto verdadeiro? Faz-se o que? Senta e chora por ter sido roubada?


é assim que eles vêem a gente - todos eles, da indústria do tomate à da construção civil


Por isso mesmo, não espero muito da Arezzo. Nem eloquência de seu presidente, nem esclarecimento de sua equipe de desenho, nem da qualidade de seus produtos. Se tem algo de bom nesse episódio todo, é pra empresa ver que o consumidor brasileiro tá cansando de ser feito de palhaço. Essa mudança, pra mim, importa mais que o coelho. Pelo menos por agora. 

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